sábado, 18 de agosto de 2007

• Barquinho no mar Denise Casatti *



Denise Casatti *

Eu peguei meu barquinho de madeira, que eu tinha feito com minhas próprias mãos, meu remo e reuni toda a coragem para dizer adeus. Os 25 mil tripulantes do transatlântico, ao verem a cena
- eu, sozinho, a caminho do oceano -, gritavam:

- Você vai morrer, Obeny!

Eu saí aos prantos, dizendo que conseguiria. Quando coloquei meu barquinho no meio daquele mar, ainda podia ouvir os apelos. Chegar à terra era mais do que me sentir seguro, era começar a realizar o sonho que eu guardara tantos anos dentro do peito, e que eu jurara tantas vezes, em silêncio, que um dia atenderia.

Era 1982 e a lembrança do barquinho no mar me arrepia até hoje, chego a encher os olhos d'água. Foi a metáfora que encontrei para selar com poesia o fim dos meus trinta anos de trabalho na indústria automobilística. Trinta anos como técnico de engenharia de produção, tempo de aprender a organização, a disciplina, a austeridade de uma grande empresa. Tempo de comprar os ingredientes para preparar o doce sonho.

Quando a aposentadoria chegou, fui fazer o que tinha que fazer: pedir demissão. O chefe não se conformou. Eu tinha tudo: casa, carro, dinheiro... O que mais poderia querer? O que me faltava? Eu disse:

- Agora vou fazer o que mais gosto na vida: doce brasileiro.

Ele me olhou espantado ao escutar a paixão revelada, falou que eu era louco e que, se precisasse de qualquer coisa, minha vaga estaria garantida. Graças a Deus, nunca voltei.
Na época em que ainda navegava pelo transatlântico, também exerci a profissão em que me formei: psicologia. Movido pelo meu amor pelo ser humano, durante dez anos conciliei o trabalho na indústria durante o dia com a lida no consultório durante a noite.

Eu tratava de alcoólatras e viciados, pois tinha autoconfiança. Sabia que era capaz de entrar em uma roda de fumo e não ser contagiado. Eu conversava com o paciente, conquistava sua confiança e saíamos daquela situação de braços dados. Era como se eu visse uma pessoa se afogando, a água já passando da altura do pescoço, e nadasse para buscá-la com a convicção de que a tiraria dali. Era uma força muito grande, movida por coragem e confiança, sem medo. As coisas dentro do meu ser são assim, acho que isso vem da minha formação e da estrutura que construí em mim por causa dos muitos anos em uma grande empresa.

Mas a ética da psicologia impedia que eu fosse verdadeiramente Obeny. No consultório, eu tinha que seguir as regras profissionais, não podia simplesmente fazer o que sentia vontade, o que meu coração mandasse. Se quisesse ir abraçar uma pessoa que sentia precisar de um abraço, não podia. Tinha que dizer apenas "oi, bom dia!".

Sei que não sou regra para ninguém, mas queria me sentir bem com as coisas que fazia e não ter a reserva de passar para o outro o que estava sentindo. Estou mais realizado aqui, na minha barraca de doces, onde posso pegar uma pazinha de cocada e oferecer para quem meu coração indicar. Posso também dizer "eu te amo" para quem eu perceber que precisa ouvir essas palavras. Talvez eu continue salvando náufragos com esses pequenos gestos. Talvez, agora, eu esteja pronto para realizar esses salvamentos cotidianos porque saí de um transatlântico em um barquinho de madeira e também posso ser considerado um náufrago.

Acho que só podemos levar o outro até onde fomos capazes de chegar. Eu cheguei à terra firme. Eu acordei e me sinto capaz de acordar pessoas. Sei que um "eu te amo" é capaz de penetrar em camadas de ferrugem e revelar a beleza humana profunda. Nessa hora, não importa se quem está na minha frente é homem, mulher, branco, índio, negro, um de meus seis filhos, um de meus seis netos... Importa apenas que é um ser humano.
Denise Casatti *

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